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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O açougueiro do convento

Por Rodrigo Amém


Edgard foi levado a uma chácara, longe da cidade. Foi recebido por dois marginais de olhar vazio, sobre olheiras.

- Esse é o “açougueiro do convento”? – perguntou um deles ao motorista, diante do porte pouco intimidador do novato.

Edgard levou uns segundos até se dar conta de que o “açougueiro do convento” era ele. Sentiu vergonha.

Ninguém perdeu muito tempo com apresentações. Edgard foi encaminhado até a varanda da casa, onde um terceiro meliante aguardava, sentado numa cadeira de balanço. O vai e vem da cadeira impulsionou o gesto de “aproximem-se” que o bandido fazia com a mão esquerda. A mão direita pousava sobre uma M-16.

- Até que enfim, caralho. – Disse, aproveitando o balanço para se por de pé. – Eu sou o Pereira. Vem comigo.

Pereira e Edgard entraram na casa. Os demais capangas montaram guarita na varanda. Difícil diferenciar entre o que era tentativa de mobiliário e o que era lixo. Um sofá quebrado, colchão velho, uma mesinha ostentando uma caixa de pizza azeda. Um radinho de pilha. Armas. Várias armas. Baratas, muitas baratas.

- Você sabe qual é o serviço? – disse Pereira. Edgard balançou a cabeça negativamente.

- O serviço é esse aqui. – Pereira abriu uma porta para um pequeno quarto escuro. Acorrentada ao pé de uma cama de ferro, uma menina de uns dez anos dormia em posição fetal. O cômodo todo fedia a urina. A comadre no canto jazia meio cheia. 

- Ela é o serviço.

Edgard não entendeu.

- Essa pirralha é filha de um figurão. Cheio da grana. To negociando o resgate. O cara tá jogo duro.

Edgard lembrou de Socorro.

- Da última vez que eu falei com o pai, deu pra sacar que já tinha polícia na escuta. Ele tentou dar uma enroladinha, sabe? Pra dar tempo de localizarem a chamada. Pediu prova de que a menina tava viva, o filha da puta. Pediu, vai ter. E vai aprender a não meter a porra da polícia.

Edgard continuava confuso. O que aquilo tinha a ver com ele? Se era pra cuidar de criança, porque não usar a prostituta que agora estava com sua filha? Por que envolvê-lo nisso?

- Seteoito falou que não é pra aliviar. Se ele quer prova da filha viva, a gente vai dar. Uma por dia até ele resolver pagar. Esse é o seu trabalho. – Disse Pereira, abrindo um armário e entregando o facão na mão de Edgard.

Edgard deixou o facão cair. O barulho acordou a menina, que deu um grito ao ver dois homens no quarto com ela.

- Pega o facão. E você, garota, cala a boca.

Edgard hesitou.

- Pega...a porra... do facão. – A mão de Pereira repousou ameaçadora sobre o coldre da pistola na sua cintura.

Lentamente, Edgard abaixou-se e pegou o facão. A menina choramingava, cobrindo a boca com as mãos. Pereira agarrou o braço de Edgard e tirou ele de dentro do quarto, fechando a porta atrás de si.

- Você vai “colher” a prova. Uma por dia. Você escolhe. Dedo do pé, da mão, orelha. Só não pode matar a guria.

Tudo o que Edgard conseguiu balbuciar foi uma pergunta. Por que ele?

- Porque eu tenho família e tem coisa que eu prefiro não fazer. E eu já to na pista tem tempo, mano. Tem coisa que eu posso escolher não fazer. Seteoito me garante. E ele me disse que você não tem tempo ruim. Que você é o açougueiro do convento. Que você arranca cabeça de freira. Que você mata mulher e criança. Pra quem já vai pro inferno, um dedo a mais, a menos, que diferença faz, né?

Edgard até tentou argumentar. Explicar que não era bem assim. Mas Seteoito disse que era. E, se não fosse como Seteoito queria, quem garantia a segurança da sua filha?


Edgard se calou diante da realização de sua sina. Ele era agora o especialista em atrocidades para o chefe do morro. Esse era o preço da vida de Socorro. Edgard olhou para Pereira, olhou para o facão, entrou no quarto da refém e fechou a porta atrás de si. Do outro lado, Pereira preferiu sair da casa quando a menina começou a implorar. 


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