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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Pequenas confissões - texto 6 - Sem prescrição médica

Por Amanda Leal



Toda mulher sonha um dia em ser mãe, eu confesso que não sonhava assim, muito não. Sonhava de leve. Como se fosse uma coisa natural da vida, assim como menstruar ou fazer preventivo: toda mulher um dia teria que passar por isso.

Acontece que há dois anos eu fui mãe, casei e o casamento já estava pedindo um algo mais e acabou acontecendo, foi natural. Eu gostei da sensação de barriga crescendo, dos mimos que eu recebia, do carinho do marido, ah... Eu gostei de tudo na gestação.

Me considero uma excelente mãe. Eu sou participativa, dou muita atenção, zelo pela saúde e bem estar do Pietro, mas também não me tornei o tipo de mãe chata que posta tudo no Facebook ou que conta pra todo mundo cada passo do meu pequeno. Fico na minha. Sou reservada.

Algumas vezes eu sinto falta de ter mais tempo para mim, acho que toda mãe sente isso e o problema maior é que eu, às vezes, não consigo conviver comigo mesma. Me dá uma vontade enorme de sumir, desaparecer de casa e ficar longe das responsabilidades. Normal, coisa de quem carrega muita carga nas costas.

Eu trabalho numa agência de publicidade e meu tempo até que é bem flexível, o que por um lado seria ótimo, se eu não tivesse que dar conta de tantas coisas ao mesmo tempo. Meu marido ajuda, um pouco, mas ele é muito agitado, é música alta, muita falação, com ele em casa parece que a casa está sempre cheia. Com criança então, pior ainda. Me cansa.

 Faz uns três meses que eu descobri uma maneira de melhorar a minha qualidade de vida e venho pondo em prática desde então. É simples, nos dias mais agitados eu coloco umas gotinhas do meu calmante preferido no suco do meu filho e do meu marido. É tudo natural, muito confiável e seguro. Eu estou gostando muito dos resultados.

Meu filho que era uma espoleta e não dormia uma noite sequer agora tira boas sonequinhas e meu marido que não parava de falar um segundo agora está sereno. Sinto que fiz um bem, não só para mim como para os dois. Acredito muito que a gente está aqui nessa vida pra ajudar quem precisa e eu comecei a minha missão aqui dentro de casa.

Outro dia eu estava num congresso e tinha uma moça alta, agitadíssima, dessas que gostam de falar alto, pisar forte no scarpin e dar umas risadas grotescas e berrantes. Aquilo me doeu por dentro. Como ela conseguia se aguentar? Estava na cara que ninguém tava à vontade com tamanha animação. Vi que não foi à toa que nossos caminhos se cruzaram.

Descobri que ela era coordenadora da minha área, o nome dela era Ivone. E toda a Ivone que eu conheço é assim, grande, esquisita, com uma voz forte, finais de frases prolongados e sem noção. Deve ser uma coisa do nome, sei lá.  Eu vi na cara dela que aquela agitação toda era uma mistura de muito cansaço e frustração. Ela estava um pouco deprimida também, embora se forçasse (até demais) em não demonstrar.

 A moça logo fez amizade comigo, sentamos para tomar um café e ela foi rapidamente pegar um papel no estande ao lado da lanchonete. O café chegou antes dela. Considerando peso e altura que prontamente calculei, vi que cinquenta gotas podiam dar a ela a paz interior que provavelmente ela nunca encontrara.

Três dias depois ela foi internada. Fiquei sabendo por uma amiga do trabalho. Foi um mês no hospital, intoxicação. Uma coisa terrível. Nossa amiga em comum disse que ela só culpava o cafezinho do congresso e que ficou admirada de eu ainda estar viva. Desde então ela nunca mais tomou café e eu achei melhor jogar fora a ideia de continuar dopando meu marido e filho, afinal, é melhor prevenir do que remediar. 



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