Por Rodrigo Amém
Edgard
foi levado a uma chácara, longe da cidade. Foi recebido por dois marginais de
olhar vazio, sobre olheiras.
-
Esse é o “açougueiro do convento”? – perguntou um deles ao motorista, diante do
porte pouco intimidador do novato.
Edgard
levou uns segundos até se dar conta de que o “açougueiro do convento” era ele. Sentiu
vergonha.
Ninguém
perdeu muito tempo com apresentações. Edgard foi encaminhado até a varanda da
casa, onde um terceiro meliante aguardava, sentado numa cadeira de balanço. O
vai e vem da cadeira impulsionou o gesto de “aproximem-se” que o bandido fazia
com a mão esquerda. A mão direita pousava sobre uma M-16.
-
Até que enfim, caralho. – Disse, aproveitando o balanço para se por de pé. – Eu
sou o Pereira. Vem comigo.
Pereira
e Edgard entraram na casa. Os demais capangas montaram guarita na varanda.
Difícil diferenciar entre o que era tentativa de mobiliário e o que era lixo.
Um sofá quebrado, colchão velho, uma mesinha ostentando uma caixa de pizza
azeda. Um radinho de pilha. Armas. Várias armas. Baratas, muitas baratas.
-
Você sabe qual é o serviço? – disse Pereira. Edgard balançou a cabeça
negativamente.
- O
serviço é esse aqui. – Pereira abriu uma porta para um pequeno quarto escuro.
Acorrentada ao pé de uma cama de ferro, uma menina de uns dez anos dormia em
posição fetal. O cômodo todo fedia a urina. A comadre no canto jazia meio
cheia.
-
Ela é o serviço.
Edgard
não entendeu.
-
Essa pirralha é filha de um figurão. Cheio da grana. To negociando o resgate. O
cara tá jogo duro.
Edgard
lembrou de Socorro.
- Da
última vez que eu falei com o pai, deu pra sacar que já tinha polícia na
escuta. Ele tentou dar uma enroladinha, sabe? Pra dar tempo de localizarem a
chamada. Pediu prova de que a menina tava viva, o filha da puta. Pediu, vai
ter. E vai aprender a não meter a porra da polícia.
Edgard
continuava confuso. O que aquilo tinha a ver com ele? Se era pra cuidar de
criança, porque não usar a prostituta que agora estava com sua filha? Por que
envolvê-lo nisso?
-
Seteoito falou que não é pra aliviar. Se ele quer prova da filha viva, a gente
vai dar. Uma por dia até ele resolver pagar. Esse é o seu trabalho. – Disse
Pereira, abrindo um armário e entregando o facão na mão de Edgard.
Edgard
deixou o facão cair. O barulho acordou a menina, que deu um grito ao ver dois
homens no quarto com ela.
-
Pega o facão. E você, garota, cala a boca.
Edgard
hesitou.
-
Pega...a porra... do facão. – A mão de Pereira repousou ameaçadora sobre o
coldre da pistola na sua cintura.
Lentamente,
Edgard abaixou-se e pegou o facão. A menina choramingava, cobrindo a boca com
as mãos. Pereira agarrou o braço de Edgard e tirou ele de dentro do quarto,
fechando a porta atrás de si.
-
Você vai “colher” a prova. Uma por dia. Você escolhe. Dedo do pé, da mão,
orelha. Só não pode matar a guria.
Tudo
o que Edgard conseguiu balbuciar foi uma pergunta. Por que ele?
-
Porque eu tenho família e tem coisa que eu prefiro não fazer. E eu já to na
pista tem tempo, mano. Tem coisa que eu posso escolher não fazer. Seteoito me
garante. E ele me disse que você não tem tempo ruim. Que você é o açougueiro do
convento. Que você arranca cabeça de freira. Que você mata mulher e criança.
Pra quem já vai pro inferno, um dedo a mais, a menos, que diferença faz, né?
Edgard
até tentou argumentar. Explicar que não era bem assim. Mas Seteoito disse que
era. E, se não fosse como Seteoito queria, quem garantia a segurança da sua
filha?
Edgard
se calou diante da realização de sua sina. Ele era agora o especialista em
atrocidades para o chefe do morro. Esse era o preço da vida de Socorro. Edgard
olhou para Pereira, olhou para o facão, entrou no quarto da refém e fechou a
porta atrás de si. Do outro lado, Pereira preferiu sair da casa quando a menina
começou a implorar.
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