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sábado, 28 de setembro de 2013

A TERRA ORIGINAL

Por: Rodrigo Amém

Demorou, mas cheguei a uma dolorosa conclusão. Aliás, demorou demais, uma vez que tal conclusão era, pelo menos, óbvia. Mas tem essas coisas que a gente teima em fingir que não sabe, que não vê. Tipo marido traído, entende? O Monstro do Lago Ness, por exemplo, obviamente não existe. Mas a gente torce para que exista. Eldorados, meu velho, Eldorados.

Coisas que, por mais que a gente queira, não passam de auto-sugestão. Forçamos a barra para crer no que não existe. Torcedores do Fluminense, homens casados e drag queens sabem do que eu estou falando. Ruminação de mentiras. Aqueles que têm o vício da escrita trazem, dentro de si, uma busca quixotesca: o texto original.

Haveria, em algum lugar dentro da mente, além de mares nunca dantes navegados, uma ilha distante de todo e qualquer clichê? Jamais pisada por autor algum? Uma ideia verdadeiramente nova? Para obter a resposta, navegar é preciso. Homens ao mar, corações ao alto, velas ao vento. A procura pela originalidade leva muitos homens à frustração, à loucura. Alguns usam álcool, nicotina, chocolate e outros entorpecentes. Teve até quem ateasse fogo em uma cidade inteira só para receber a visita da musa, da inspiração.

Aliás, grossa mentira. Não existe, nem nunca existiu essa bela mulher, formosa como Vênus, vinda do nada, soprando a genialidade no ouvido do artista. Uma mulher que se disponha a passar sua vida cochichando ao ouvido de um artista, falaria coisas como: "Isso são horas, seu vagabundo?" ou "Bêbado de novo? Vai dormir no sofá da sala!" e ainda "Quando é que você vai arranjar um emprego decente? Bem que mamãe me avisou que você nunca ia dar em nada!". Não, nada de musas inspiradoras.

De qualquer forma, descobri o ovo de Colombo recentemente. Estava, como sempre, revirando memórias e entranhas, navegando rumo ao novo mundo, neste universo retilíneo e plano chamado imaginação. Sem brisa, sol a pino, não me movera um centímetro. Minha mente já ardia com a febre-da-cabine e meu hálito cheirava a escorbuto.  Não desistiria, mas sabia que minhas tentativas eram inúteis e meu navio fazia água.

Será que todos os bons textos do mundo já foram escritos? Nada mais sobrou para ser explorado? Num mundo onde informação dá em árvores, teria o homem dito tudo o que havia para dizer? Talvez tenha chegado a hora de parar. Fim da linha.  Ponto final. E eu resolvi, como todo bom capitão, afundar com o navio.

Quando o mar da mediocridade já me ladeava pelo pescoço, um rato passou por mim, à altura de meus olhos, remando um pequeno barquinho salva-vidas. Ele me olhou como quem lê Maiakovsky. Balançando a cabeça negativamente, cofiou seu cavanhaque grisalho e suspirou. Agarrou novamente os remos e colocou-se a remar.

Não sei bem porque, gritei um "espere" para o rato. Ele parou e me olhou desinteressado.

- Bem... Quero dizer... Não sabia que ratos remavam... - falei, desconcertado.

- Se você naufraga sem sequer descobrir para onde ia, não entender de ratos não me surpreende. - Disse o rato. - Vou escrever sobre isso um dia.

- Você é escritor? - Espantei-me.

- Assim como você, a não ser pelo fato de fazer sucesso, ganhar dinheiro e estar na 80ª edição de minha biografia. - Respondeu o roedor.

- Como é possível? Você sabe onde fica a terra prometida? Onde fica o Nirvana que eu tanto procuro?

- Sim, sei.

- Então diga-me, por favor!

- Você não gostaria de ir até lá. É inóspito, povoado por pensamentos hostis e agressivos. Dizem que a Solidão e a Inveja moram nesta terra, e os poucos que a conheceram jamais foram os mesmos. Seus leitores os abandonaram. Suas famílias e amigos também. A Terra Original é maldita.

- Você está blefando! - Irritei-me, esforçando-me para manter minha boca acima do nível da água.

- O leitor não quer o Original. O homem teme o novo à aversão. Quer conquistá-los? Fale sobre o que eles conhecem, converse sobre a dor que eles sentem, faça-os sonhar com as mesmas belas e desbotadas frases de amor.  Quer parecer original? Mude a ambientação.  Futuro, passado, presente. Ficção ou romance. Tanto faz. O importante é você contar sempre a mesma história. A biografia do leitor, com o final que ele gostaria de viver.


Ao dizer isso, o rato sorriu um sorriso sacana, agarrou mais uma vez os remos e piscou para mim. Foi se afastando lentamente com seu barquinho. E eu pensei que, talvez, ele estivesse coberto de razão. Talvez, o porto do qual saí fosse o mais seguro. Talvez eu devesse recomeçar, mas aquela água turva me invadia as narinas e eu não sabia nadar.


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