Por: Rodrigo Amém
Demorou, mas cheguei a uma dolorosa conclusão.
Aliás, demorou demais, uma vez que tal conclusão era, pelo menos, óbvia. Mas
tem essas coisas que a gente teima em fingir que não sabe, que não vê. Tipo
marido traído, entende? O Monstro do Lago Ness, por exemplo, obviamente não
existe. Mas a gente torce para que exista. Eldorados, meu velho, Eldorados.
Coisas que, por mais que a gente queira, não passam
de auto-sugestão. Forçamos a barra para crer no que não existe. Torcedores do
Fluminense, homens casados e drag queens sabem do que eu estou falando.
Ruminação de mentiras. Aqueles que têm o vício da escrita trazem, dentro de si,
uma busca quixotesca: o texto original.
Haveria, em algum lugar dentro da mente, além de
mares nunca dantes navegados, uma ilha distante de todo e qualquer clichê?
Jamais pisada por autor algum? Uma ideia verdadeiramente nova? Para obter a
resposta, navegar é preciso. Homens ao mar, corações ao alto, velas ao vento. A
procura pela originalidade leva muitos homens à frustração, à loucura. Alguns
usam álcool, nicotina, chocolate e outros entorpecentes. Teve até quem ateasse
fogo em uma cidade inteira só para receber a visita da musa, da inspiração.
Aliás, grossa mentira. Não existe, nem nunca
existiu essa bela mulher, formosa como Vênus, vinda do nada, soprando a
genialidade no ouvido do artista. Uma mulher que se disponha a passar sua vida
cochichando ao ouvido de um artista, falaria coisas como: "Isso são horas,
seu vagabundo?" ou "Bêbado de novo? Vai dormir no sofá da sala!"
e ainda "Quando é que você vai arranjar um emprego decente? Bem que mamãe
me avisou que você nunca ia dar em nada!". Não, nada de musas
inspiradoras.
De qualquer forma, descobri o ovo de Colombo
recentemente. Estava, como sempre, revirando memórias e entranhas, navegando
rumo ao novo mundo, neste universo retilíneo e plano chamado imaginação. Sem
brisa, sol a pino, não me movera um centímetro. Minha mente já ardia com a
febre-da-cabine e meu hálito cheirava a escorbuto. Não desistiria, mas
sabia que minhas tentativas eram inúteis e meu navio fazia água.
Será que todos os bons textos do mundo já foram
escritos? Nada mais sobrou para ser explorado? Num mundo onde informação dá em
árvores, teria o homem dito tudo o que havia para dizer? Talvez tenha chegado a
hora de parar. Fim da linha. Ponto final. E eu resolvi, como todo bom
capitão, afundar com o navio.
Quando o mar da mediocridade já me ladeava pelo
pescoço, um rato passou por mim, à altura de meus olhos, remando um pequeno
barquinho salva-vidas. Ele me olhou como quem lê Maiakovsky. Balançando a
cabeça negativamente, cofiou seu cavanhaque grisalho e suspirou. Agarrou
novamente os remos e colocou-se a remar.
Não sei bem porque, gritei um "espere"
para o rato. Ele parou e me olhou desinteressado.
- Bem... Quero dizer... Não sabia que ratos
remavam... - falei, desconcertado.
- Se você naufraga sem sequer descobrir para onde
ia, não entender de ratos não me surpreende. - Disse o rato. - Vou escrever
sobre isso um dia.
- Você é escritor? - Espantei-me.
- Assim como você, a não ser pelo fato de fazer
sucesso, ganhar dinheiro e estar na 80ª edição de minha biografia. - Respondeu
o roedor.
- Como é possível? Você sabe onde fica a terra
prometida? Onde fica o Nirvana que eu tanto procuro?
- Então diga-me, por favor!
- Você não gostaria de ir até lá. É inóspito,
povoado por pensamentos hostis e agressivos. Dizem que a Solidão e a Inveja
moram nesta terra, e os poucos que a conheceram jamais foram os mesmos. Seus
leitores os abandonaram. Suas famílias e amigos também. A Terra Original é
maldita.
- Você está blefando! - Irritei-me, esforçando-me
para manter minha boca acima do nível da água.
- O leitor não quer o Original. O homem teme o novo
à aversão. Quer conquistá-los? Fale sobre o que eles conhecem, converse sobre a
dor que eles sentem, faça-os sonhar com as mesmas belas e desbotadas frases de
amor. Quer parecer original? Mude a ambientação. Futuro, passado,
presente. Ficção ou romance. Tanto faz. O importante é você contar sempre a
mesma história. A biografia do leitor, com o final que ele gostaria de viver.
Ao dizer isso, o rato sorriu um sorriso sacana,
agarrou mais uma vez os remos e piscou para mim. Foi se afastando lentamente
com seu barquinho. E eu pensei que, talvez, ele estivesse coberto de razão.
Talvez, o porto do qual saí fosse o mais seguro. Talvez eu devesse recomeçar,
mas aquela água turva me invadia as narinas e eu não sabia nadar.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.