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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Oportunidades

Por Rodrigo Amém

Só uma mesa e duas cadeiras. Era uma sala nua iluminada por uma luz fria, oscilante. O zumbido da eletricidade só era interrompido pelo soar de telefones reverberando à distância.  A cabeça de Léo girava. Ele tentou levar as mãos ao rosto, mas o movimento foi interrompido por um puxão nos punhos.  A lembrança das mãos algemadas relembrou Léo da gravidade da situação.

Os conselhos de Seteoito para situações de enfrentamento com as autoridades começaram a emergir por entre pensamentos desconexos. Mantenha a boca fechada. Peça um advogado. Não responda nada. Não concorde com nada. Ignore as perguntas. Aguente a dor. Qual o telefone do doutor, mesmo?

A porta se abriu antes que Léo pudesse se lembrar. Não era um PM. Com certeza, não. Não parecia nem ser policial.  Talvez um defensor público, mas era cedo ainda. A menos que tivessem alguma coisa grande contra ele. Um filme começou a passar na cabeça de Léo. Os últimos delitos, os trabalhos mais recentes. Será que ele tinha pisado na bola?

O homem sentou-se no outro lado da mesa, de frente para Léo. Colocou dois copos de água sobre a mesa. Com a ponta dos dedos, empurrou suavemente um deles para o meliante atônito.

- Bebe.

Com os olhos, Léo disse algo como “você acha que eu sou Mané? Que eu vou cair nesse papinho de amiguinho? Tá achando que esse é minha primeira dura? Se liga, otário!”

- Tô com sede não, senhor – foi o que Léo disse em voz alta, numa calculada falsa humildade.

O homem sorriu.

- Você já foi à Bahia?

Léo levantou os olhos e encarou o homem, sem entender de onde diabos tinha saído aquele tópico. Seu cérebro buscou rapidamente algo na sua ficha corrida que tivesse relação com algum baiano, cantor de Axé, percussionista. Nada. Nada!

- Não, senhor... – respondeu confuso.

- Era a minha programação de férias. Todo ano, nas férias de janeiro, meu pai juntava minha mãe, eu e meus irmãos e a gente ia pra Salvador. O velho era de lá. “Meu filho, se Deus fez lugar melhor, guardou pra ele!”

Aquilo era tão fora de contexto que, por um momento, Léo esqueceu que estava na boca do lobo.

- Só que a gente era uma família humilde. Avião era caro demais. A gente ia de fusca. É. Eu sei. Quase dois dias de viagem. Era cansativo que só. Mas ninguém dentro daquele carro tinha mais pressa que o meu pai. Ele queria chegar logo. Ir pra praia. Relaxar.  E se tinha uma coisa que tirava meu velho do sério era parar pra ir ao banheiro. Então, antes de entrar na estrada, ele falava: “São seis horas da manhã. Essa charanga só para às seis da tarde. Não quero saber se estão com vontade ou não. Aproveitem a oportunidade”.

 Léo olhou para o copo em sua frente.

- Meu pai me ensinou muitas coisas na vida. Nessas viagens, eu aprendi a planejar. A ter paciência. A ter resistência. Mas o mais importante: eu aprendi a não deixar de aproveitar as oportunidades que a vida me oferece. Tá vendo esse copo? Pensa nele como uma oportunidade que eu te ofereci. Você não sabe quando é que você vai ter a chance de beber água de novo, sabe?

O homem estendeu a mão, pegou o copo de água e lentamente o entornou no chão da sala.

- É impressionante a velocidade em que a necessidade muda um comportamento. Em algumas horas, uma pessoa que não tinha sede se vê disposta a lamber água do chão para sobreviver.

Léo arregalou os olhos.

- Quando eu voltar, amanhã ou depois, eu vou lhe dar uma nova oportunidade. Mas agora ela virá com um preço.

O homem se levantou e caminhou até a porta.

- Você vai me contar o que você sabe sobre o Açougueiro do Convento.

O girar de cabeça atônito de Léo entregou que ele sabia exatamente de quem se tratava.

- Bom saber que o nome é familiar. Até breve.

Antes de sair, o homem disse mais uma coisa.

- Ah, se você mudar de ideia e quiser fazer proveito da sua oportunidade mais cedo, diga pro guarda que você quer falar comigo. Meu nome é delegado Roger.

A porta se fechou e Léo encarou a poça d’água perto dos seus pés.




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