Por Rodrigo Amém
Só
uma mesa e duas cadeiras. Era uma sala nua iluminada por uma luz fria,
oscilante. O zumbido da eletricidade só era interrompido pelo soar de telefones
reverberando à distância. A cabeça de
Léo girava. Ele tentou levar as mãos ao rosto, mas o movimento foi interrompido
por um puxão nos punhos. A lembrança das
mãos algemadas relembrou Léo da gravidade da situação.
Os
conselhos de Seteoito para situações de enfrentamento com as autoridades
começaram a emergir por entre pensamentos desconexos. Mantenha a boca fechada.
Peça um advogado. Não responda nada. Não concorde com nada. Ignore as
perguntas. Aguente a dor. Qual o telefone do doutor, mesmo?
A
porta se abriu antes que Léo pudesse se lembrar. Não era um PM. Com certeza,
não. Não parecia nem ser policial. Talvez um defensor público, mas era cedo
ainda. A menos que tivessem alguma coisa grande contra ele. Um filme começou a
passar na cabeça de Léo. Os últimos delitos, os trabalhos mais recentes. Será
que ele tinha pisado na bola?
O
homem sentou-se no outro lado da mesa, de frente para Léo. Colocou dois copos
de água sobre a mesa. Com a ponta dos dedos, empurrou suavemente um deles para
o meliante atônito.
-
Bebe.
Com
os olhos, Léo disse algo como “você acha que eu sou Mané? Que eu vou cair nesse
papinho de amiguinho? Tá achando que esse é minha primeira dura? Se liga,
otário!”
- Tô
com sede não, senhor – foi o que Léo disse em voz alta, numa calculada falsa
humildade.
O
homem sorriu.
-
Você já foi à Bahia?
Léo
levantou os olhos e encarou o homem, sem entender de onde diabos tinha saído
aquele tópico. Seu cérebro buscou rapidamente algo na sua ficha corrida que
tivesse relação com algum baiano, cantor de Axé, percussionista. Nada. Nada!
-
Não, senhor... – respondeu confuso.
-
Era a minha programação de férias. Todo ano, nas férias de janeiro, meu pai
juntava minha mãe, eu e meus irmãos e a gente ia pra Salvador. O velho era de
lá. “Meu filho, se Deus fez lugar melhor, guardou pra ele!”
Aquilo
era tão fora de contexto que, por um momento, Léo esqueceu que estava na boca
do lobo.
- Só
que a gente era uma família humilde. Avião era caro demais. A gente ia de
fusca. É. Eu sei. Quase dois dias de viagem. Era cansativo que só. Mas ninguém
dentro daquele carro tinha mais pressa que o meu pai. Ele queria chegar logo.
Ir pra praia. Relaxar. E se tinha uma
coisa que tirava meu velho do sério era parar pra ir ao banheiro. Então, antes
de entrar na estrada, ele falava: “São seis horas da manhã. Essa charanga só
para às seis da tarde. Não quero saber se estão com vontade ou não. Aproveitem
a oportunidade”.
Léo olhou para o copo em sua frente.
-
Meu pai me ensinou muitas coisas na vida. Nessas viagens, eu aprendi a
planejar. A ter paciência. A ter resistência. Mas o mais importante: eu aprendi
a não deixar de aproveitar as oportunidades que a vida me oferece. Tá vendo
esse copo? Pensa nele como uma oportunidade que eu te ofereci. Você não sabe
quando é que você vai ter a chance de beber água de novo, sabe?
O
homem estendeu a mão, pegou o copo de água e lentamente o entornou no chão da
sala.
- É
impressionante a velocidade em que a necessidade muda um comportamento. Em
algumas horas, uma pessoa que não tinha sede se vê disposta a lamber água do
chão para sobreviver.
Léo
arregalou os olhos.
-
Quando eu voltar, amanhã ou depois, eu vou lhe dar uma nova oportunidade. Mas
agora ela virá com um preço.
O
homem se levantou e caminhou até a porta.
-
Você vai me contar o que você sabe sobre o Açougueiro do Convento.
O
girar de cabeça atônito de Léo entregou que ele sabia exatamente de quem se
tratava.
-
Bom saber que o nome é familiar. Até breve.
Antes
de sair, o homem disse mais uma coisa.
-
Ah, se você mudar de ideia e quiser fazer proveito da sua oportunidade mais
cedo, diga pro guarda que você quer falar comigo. Meu nome é delegado Roger.
A
porta se fechou e Léo encarou a poça d’água perto dos seus pés.
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