Por Rec Haddock
INT.
ESCRITÓRIO SUJO. NOITE.
REC
HADDOCK, um senhor de 80 anos, está sujo como quem não toma banho há dias,
sentado em uma cadeira enferrujada, defronte a uma mesa cheia de papéis e fitas
cassete espalhados além de dois gravadores antigos de fita cassete.
Vemos
um ambiente sem janelas tão sujo quanto seu ocupante, mal-iluminado e
extremamente silencioso. Além de sujo, tudo está bagunçado à volta do idoso.
Ele
se levanta, vai até um armário de arquivo, abre uma das gavetas e tira uma
banana lá de dentro, junto com uma pasta de arquivo, onde se lê o número 2015.
Fecha a gaveta e volta a se sentar na cadeira enferrujada.
Descasca
a banana, começa a comê-la, liga um gravador e abre o arquivo que estava sobre
a mesa.
REC
HADDOCK
Sou
eu, novamente. Não haveria de ter mais alguém que falasse nessa coisa.
Rec
dá uma mordida grande na banana.
REC
HADDOCK (CONT’D)
Hoje
é o dia 25 de Maio, de novo. O meu octogésimo. Estive lendo o arquivo 2038, o
qüinquagésimo, e pude perceber mais uma vez o quanto era um idiota.
Rec
dá mais uma mordida na banana e acaba com ela.
REC
HADDOCK (CONT’D)
Você
acha que pode depender dos outros. Pois não pode, pode? Se depender dos outros
levasse a algum lugar, eu não estava aqui preso a um senhorio que me cobra um
aluguel de oito quartos em uma sala comercial no subúrbio da civilização.
Meu
filho morreu este ano. Não foi câncer, nem um acidente. Não foi nenhuma doença
séria. Foi só velhice. O corpo dele parou de funcionar.
Nem
com o corpo dos jovens podemos mais contar.
Rec
desliga o gravador. Suspira. Levanta, vai até o lixo, tira uma banana lá de
dentro e a descasca. Senta e começa a comê-la. Liga novamente o gravador.
REC
HADDOCK (CONT’D)
Não
foram poucas as pessoas em que confiei na minha vida. Quase todas as nossas
relações são baseadas em confiança. Mulher, filhos, amigos, vereadores,
policiais, terapeuta. Cada um deles, atestado da nossa demência e incapacidade
de nos percebermos como seres solitários.
Liga
o outro gravador, enquanto dá uma mordida na banana. Ouvimos uma gravação,
enquanto vemos Rec mastigar sua banana.
GRAVAÇÃO
Consegui
mais do que imaginava neste ano. O destino foi bom pra mim.
REC
HADDOCK
Rá!
Você não conseguiu nada!
GRAVAÇÃO
Meu
primeiro livro finalmente vai ser publicado. Fechei o acordo há duas semanas.
REC
HADDOCK
Se a
editora não tivesse fechado.
GRAVAÇÃO
A
história é linda, sobre uma menina e seu balão. Ela me veio à cabeça no funeral
da minha mãe.
REC
HADDOCK
Outra
que me abandonou! Rá!
GRAVAÇÃO
Minha
mãe não pode ver o meu livro publicado, mas sei que acreditava que eu
conseguiria.
Agora eu sei que só vou conseguir por causa dela.
REC
HADDOCK
Chega!
Rec
enfia o que resta da banana no botão “stop” do gravador que está reproduzindo a
fita.
REC
HADDOCK (CONT’D)
A
ingenuidade serve apenas aos analistas, que de bom grado exploram as carências
de seus pacientes. Naquele ano, fazia terapia. Por um tempo parecia que ia me
ajudar a superar a morte da minha mãe e a separação da Nathasha, mas só me
ajudou a aliviar o peso do bolso traseiro da minha calça. Devia ter procurado
outras putas. Talvez não tenha tido a grandeza deste pensamento porque a que me
largou com um filho e um casamento falido me custou muito caro.
CORTA
PARA
INT.
SALA DO TERAPEUTA. TARDE.
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