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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A Última Gravação de Rec PARTE 1 DE 4

Por Rec Haddock


INT. ESCRITÓRIO SUJO. NOITE.

REC HADDOCK, um senhor de 80 anos, está sujo como quem não toma banho há dias, sentado em uma cadeira enferrujada, defronte a uma mesa cheia de papéis e fitas cassete espalhados além de dois gravadores antigos de fita cassete.

Vemos um ambiente sem janelas tão sujo quanto seu ocupante, mal-iluminado e extremamente silencioso. Além de sujo, tudo está bagunçado à volta do idoso.

Ele se levanta, vai até um armário de arquivo, abre uma das gavetas e tira uma banana lá de dentro, junto com uma pasta de arquivo, onde se lê o número 2015. Fecha a gaveta e volta a se sentar na cadeira enferrujada.

Descasca a banana, começa a comê-la, liga um gravador e abre o arquivo que estava sobre a mesa.

REC HADDOCK
Sou eu, novamente. Não haveria de ter mais alguém que falasse nessa coisa.

Rec dá uma mordida grande na banana.

REC HADDOCK (CONT’D)
Hoje é o dia 25 de Maio, de novo. O meu octogésimo. Estive lendo o arquivo 2038, o qüinquagésimo, e pude perceber mais uma vez o quanto era um idiota.

Rec dá mais uma mordida na banana e acaba com ela.

REC HADDOCK (CONT’D)
Você acha que pode depender dos outros. Pois não pode, pode? Se depender dos outros levasse a algum lugar, eu não estava aqui preso a um senhorio que me cobra um aluguel de oito quartos em uma sala comercial no subúrbio da civilização.

Meu filho morreu este ano. Não foi câncer, nem um acidente. Não foi nenhuma doença séria. Foi só velhice. O corpo dele parou de funcionar.
Nem com o corpo dos jovens podemos mais contar.

Rec desliga o gravador. Suspira. Levanta, vai até o lixo, tira uma banana lá de dentro e a descasca. Senta e começa a comê-la. Liga novamente o gravador.

REC HADDOCK (CONT’D)
Não foram poucas as pessoas em que confiei na minha vida. Quase todas as nossas relações são baseadas em confiança. Mulher, filhos, amigos, vereadores, policiais, terapeuta. Cada um deles, atestado da nossa demência e incapacidade de nos percebermos como seres solitários.

Liga o outro gravador, enquanto dá uma mordida na banana. Ouvimos uma gravação, enquanto vemos Rec mastigar sua banana.

GRAVAÇÃO
Consegui mais do que imaginava neste ano. O destino foi bom pra mim.

REC HADDOCK
Rá! Você não conseguiu nada!

GRAVAÇÃO
Meu primeiro livro finalmente vai ser publicado. Fechei o acordo há duas semanas.

REC HADDOCK
Se a editora não tivesse fechado.

GRAVAÇÃO
A história é linda, sobre uma menina e seu balão. Ela me veio à cabeça no funeral da minha mãe.

REC HADDOCK
Outra que me abandonou! Rá!

GRAVAÇÃO
Minha mãe não pode ver o meu livro publicado, mas sei que acreditava que eu conseguiria. 
Agora eu sei que só vou conseguir por causa dela.

REC HADDOCK
Chega!

Rec enfia o que resta da banana no botão “stop” do gravador que está reproduzindo a fita.

REC HADDOCK (CONT’D)
A ingenuidade serve apenas aos analistas, que de bom grado exploram as carências de seus pacientes. Naquele ano, fazia terapia. Por um tempo parecia que ia me ajudar a superar a morte da minha mãe e a separação da Nathasha, mas só me ajudou a aliviar o peso do bolso traseiro da minha calça. Devia ter procurado outras putas. Talvez não tenha tido a grandeza deste pensamento porque a que me largou com um filho e um casamento falido me custou muito caro.

CORTA PARA

INT. SALA DO TERAPEUTA. TARDE.



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