Por Rodrigo Amém
Era um descampado no meio do nada. Não havia luz, só a confusão de faróis na estrada e estrelas no horizonte, atrás de quilômetros de vegetação rasteira. Em silêncio, dentro do carro de motor desligado e luzes apagadas, Edgard tentava extrair sentido do tráfego distante. Desviava o olhar para o relógio no pulso. Voltava a fitar a distância. Não havia ainda, rigorosamente, atraso. Mas a espera era incômoda. A menina, ainda de saco na cabeça, parecia dormir deitada no banco de traseiro.
Ele revisou mentalmente as instruções passadas na carta. O outro motorista deveria se aproximar e esperar seu sinal para parar, desligar o motor e sair do veículo. Sem polícia. Só o pai da menina. Qualquer sinal de outra presença e a menina rodava. Edgard não queria ter que fazer isso. Não com outra criança.
Volta e meia o dedo decepado latejava. Parecia que doía, mas não estava mais lá. Parecia que o espírito do dedinho permanecia ali, assombrando seu pé. E Edgard se perguntava se aquela tinha sido a melhor coisa a fazer. Talvez, tivesse tido tempo e calma, teria pensado numa outra saída. Mas arrependimento? Não. Edgard não era de se arrepender da dor sofrida. A causada, no entanto, assombrava seus sonhos, latejava. Tal qual o dedinho fantasma.
Um par de luzes desacelerou e deixou o fluxo da estrada. O coração de Edgard acelerou. As luzes cresceram na direção do descampado. Edgard virou a chave na ignição e as luzes do painel iluminaram seu semblante teso com um luz tétrica luz vermelha.
Edgard fez os faróis do seu carro piscarem duas vezes. O outro veículo parou. As luzes foram desligadas em ambos os veículos. O outro motorista abriu a porta, desceu e parou na frente do capô.
Para Edgard, era apenas uma silhueta. Não conseguiu distinguir traços da fisionomia do homem, ainda que a lua estivesse fazendo um ótimo trabalho pintando aquela cena de faroeste azul.
- Cadê o pacote? – A voz de Edgard ecoou no vazio.
- A menina primeiro. – respondeu o homem.
Edgard deu partida e começou a manobrar o carro de ré. Os faróis acenderam, cegando o homem.
- Ok! Ok! Tá no carro! Espera! – desesperou-se o homem, cobrindo os olhos.
Edgard parou o carro. O homem foi, de braços levantados, até a porta do passageiro. Retirou uma pesada sacola de viagem e, com algum esforço a colocou entre os dois veículos.
- Agora a menina! – disse, andando de costas de volta ao seu veículo.
Alguns momentos se passaram até que a garota atravessasse o espaço entre os dois carros cambaleando e desnorteada. Enquanto acolhia a menina e a coloca segura no banco de trás de seu carro, o homem notou Edgard pegando a sacola e voltando mancando de volta para o seu lado da arena.
- Ei, você! – gritou o homem - Você já foi à Bahia?
Edgard parou e se virou para o homem. E então ele notou um, dois, três pontos vermelhos dançando em seu próprio peito.
- Foi lá que eu aprendi a não desperdiçar oportunidades – sorriu o delegado Roger, rosto iluminado pela chama de seu isqueiro, a poeira do descampado revelando o caminho entre os pontos no peito de Edgard e a mira laser dos atiradores de elite posicionados em morros além da estrada.
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