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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Contramão


Por Marcela de Holanda


Ele era o que se pode chamar de diferente. Ele não fazia sentido em um mundo em que o sentido andava na contramão. Quando nasceu, não chorou. Ninguém ousaria chamar de choro, embora expulsasse o ar dos seus pulmões, tamanha era alegria que ele era capaz de expressar por estar ali, era mais um grito de comemoração, uma declaração de liberdade. No começo, encantava pelas suas peculiaridades, mas conforme foi crescendo elas começaram a incomodar. Recusava-se a competir em qualquer circunstância. Deixava sua mãe irritada quando saíam na rua porque queria parar para conversar com todos os sem teto.  Não conseguia compreender, precisava perguntar, ninguém oferecia uma resposta satisfatória para aquela situação e tudo que sua mãe podia dizer era que as coisas eram assim mesmo e que eles não podiam parar, que era perigoso. Um dia lhe disseram que ele tinha cabelos lindos de fazer inveja. Daquele dia em diante, raspou a cabeça e nunca mais deixou crescer mesmo diante de protestos inconformados e pedidos de namoradas. As namoradas o admiravam enormemente mas ao mesmo tempo não suportavam ficar muito tempo com ele. Ele as exasperava, elas não conseguiam o compreender com aquela ausência de ciúmes, com aquela calma inabalável. Esse menino não existe! Nesse ponto, todos concordavam. Difícil era respeitar suas escolhas, sua alimentação saudável, sua consciência ambiental, seu engajamento político. Para a maioria, era considerado um chato ou uma fraude. Possivelmente alguém que esconde um segredo inominável. Mas ele era só ele. E ele era assim, simples assim. Aos 18 anos, presenciou um grupo de adolescentes espancando um cachorro na rua. Resolveu interferir. Apanhou. Não revidou. O cachorro fugiu. Apanhou. Não revidou. Apanhou. Não revidou. Partiu desse mundo sem uma raiva no coração. Pior para o mundo. Ponto para ele que para cá não voltou mais.


      
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