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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O primeiro amor de um homem

Por Rec Haddock

Aos quinze anos de idade, O Rec se preparou para a escola. Era uma manhã comum de outono, no dia 12 de Outubro. O ano letivo começara uns meses antes, em Agosto, e aquele prometia ser um dia sem novidades. Cinza, frio e tedioso.

O trajeto de bicicleta foi marcado por um incidente incomum até para O Rec, acostumado a ver coisas que os outros não eram capazes de enxergar:  na ciclovia, à sua frente, um homem de vinte e poucos pedalava, quando uma mulher mais bonita que a maioria passou por eles pela esquerda, na contramão, também de bicicleta. O homem à sua frente ficou hipnotizado por aquela presença, e olhou fixamente para a bunda que se afastava.

No sentido contrário, vinha outro homem de vinte e poucos que olhos atentos diriam ser igual ao que ia afrente dO Rec. Previsivelmente, também ficou hipnotizado por aquela presença e fez o que os homens fazem. Torceu seu pescoço e olhou para a bunda da qual se afastava.

O que nenhum dos iguais viu foi o seu reflexo. Bateram de frente, cada qual caindo da bicicleta com um estrondo e uma coleção de ferimentos variados. O Rec conseguiu evitar os colisores sem dificuldade, tendo previsto o acidente.

Sem mais, chegou à escola. Lá não incomodou nem foi incomodado, como de costume. Sentou-se ao fundo e dormiu boa parte do dia, com a cabeça apoiada nos braços, sobre a mesa. Se havia alguma coisa em que O Rec era bom a ponto de se tornar um prodígio, esta coisa era sonhar.

A princípio tomou aquilo justamente por um sonho. Depois achou estar alucinando. A mulher da bicicleta estava na sua sala. Acordando ele. A princípio O Rec não conseguiu associá-la ao ocorrido mais cedo, mas depois reconheceu a bunda.

- Que merda é essa, garoto? Você acha que isso é um spa? Se você queria dormir não devia andar tão rápido de bicicleta vindo pra cá – ela disse. Depois piscou um olho para O Rec e deu uma mordidinha no lábio inferior, o que só contribuía para a teoria de que ele estava sonhando ou alucinando. Além de reconhecê-lo, tentava seduzi-lo?

- Como eu ia dizendo, a dona Adélia não vai poder dar as suas aulas de química por um mês e meio, e durante este tempo, vocês vão ter que me aturar no lugar dela. O cabelo dela é suave como a lábia de um cafajeste. Vocês estão muito atrasados na matéria... Os olhos são profundos como só o corte de uma navalha... aldeído mais conhecido é o metanal... Sua boca é tão tentadora quanto a corrupção... nada a ver com qualquer trocadilho que possa estar passando na sua mente. O sorriso é fácil como roubar doce de criança... na página 37 do livro didático... O pescoço é longo como os minutos na cadeira do dentista... entender as reações que acontecem nos nossos cérebros. É por isso que os homens agem como neandertais.

- Eles acham que são mais civilizados que os outros, mas são só reflexos involuntários, muitas vezes preconceituosos, machistas e retrógrados, de reações químicas que acontecem aqui – ela bateu uma vez com o dedo indicador na testa dO Rec.


Parou de divagar. Podia ter se sentido ofendido, mas o Rec reconheceu verdade naquelas palavras e naquele dia, ele não voltou a dormir nem na escola, nem na sua cama, à noite.



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