Por Rec Haddock
Aos
quinze anos de idade, O Rec se preparou para a escola. Era uma manhã comum de
outono, no dia 12 de Outubro. O ano letivo começara uns meses antes, em Agosto,
e aquele prometia ser um dia sem novidades. Cinza, frio e tedioso.
O
trajeto de bicicleta foi marcado por um incidente incomum até para O Rec,
acostumado a ver coisas que os outros não eram capazes de enxergar: na ciclovia, à sua frente, um homem de vinte
e poucos pedalava, quando uma mulher mais bonita que a maioria passou por eles
pela esquerda, na contramão, também de bicicleta. O homem à sua frente ficou
hipnotizado por aquela presença, e olhou fixamente para a bunda que se
afastava.
No
sentido contrário, vinha outro homem de vinte e poucos que olhos atentos diriam
ser igual ao que ia afrente dO Rec. Previsivelmente, também ficou hipnotizado
por aquela presença e fez o que os homens fazem. Torceu seu pescoço e olhou
para a bunda da qual se afastava.
O
que nenhum dos iguais viu foi o seu reflexo. Bateram de frente, cada qual
caindo da bicicleta com um estrondo e uma coleção de ferimentos variados. O Rec
conseguiu evitar os colisores sem dificuldade, tendo previsto o acidente.
Sem
mais, chegou à escola. Lá não incomodou nem foi incomodado, como de costume.
Sentou-se ao fundo e dormiu boa parte do dia, com a cabeça apoiada nos braços,
sobre a mesa. Se havia alguma coisa em que O Rec era bom a ponto de se tornar
um prodígio, esta coisa era sonhar.
A
princípio tomou aquilo justamente por um sonho. Depois achou estar alucinando.
A mulher da bicicleta estava na sua sala. Acordando ele. A princípio O Rec não
conseguiu associá-la ao ocorrido mais cedo, mas depois reconheceu a bunda.
-
Que merda é essa, garoto? Você acha que isso é um spa? Se você queria dormir
não devia andar tão rápido de bicicleta vindo pra cá – ela disse. Depois piscou
um olho para O Rec e deu uma mordidinha no lábio inferior, o que só contribuía
para a teoria de que ele estava sonhando ou alucinando. Além de reconhecê-lo,
tentava seduzi-lo?
-
Como eu ia dizendo, a dona Adélia não vai poder dar as suas aulas de química
por um mês e meio, e durante este tempo, vocês vão ter que me aturar no lugar
dela. O cabelo dela é suave como a lábia
de um cafajeste. Vocês estão muito atrasados na matéria... Os olhos são profundos como só o corte de
uma navalha... aldeído mais conhecido é o metanal... Sua boca é tão tentadora quanto a corrupção... nada a ver com
qualquer trocadilho que possa estar passando na sua mente. O sorriso é fácil como roubar doce de criança... na página 37 do
livro didático... O pescoço é longo como os
minutos na cadeira do dentista... entender as reações que acontecem nos
nossos cérebros. É por isso que os homens agem como neandertais.
-
Eles acham que são mais civilizados que os outros, mas são só reflexos
involuntários, muitas vezes preconceituosos, machistas e retrógrados, de
reações químicas que acontecem aqui – ela bateu uma vez com o dedo indicador na
testa dO Rec.
Parou
de divagar. Podia ter se sentido ofendido, mas o Rec reconheceu verdade
naquelas palavras e naquele dia, ele não voltou a dormir nem na escola, nem na
sua cama, à noite.
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