Por Rodrigo Amém
Quando a porta do camburão abriu, a saraivada de flashes fez Edgard se encolher. Instintivamente, tentava proteger o rosto das luzes. As mãos algemadas às costas o obrigavam a virar o rosto para dentro do carro de polícia. Um puxão forte em seu cabelo o trouxe de volta aos holofotes. Era a mão do Delegado Roger, expondo sua presa à mídia.
As perguntas gritadas dos jornalistas se sobrepunham umas às outras, num alarido ensurdecedor. Debaixo daquela surra de luz e som, era difícil para Edgard manter o corpo ereto. Mas, sempre que ele se curvava em direção ao solo, a mão disciplinadora de Roger esticava sua coluna de volta à posição ereta.
As perguntas eram um confuso misto de indagações redundantes e pedidos de pose para fotos. Roger não respondia. Ele apenas aproveitava o enxame de microfones para dizer o que achava conveniente. Agradeceu a colaboração dos policiais envolvidos, enalteceu a importância do serviço de inteligência, assegurou o público de que a cidade dormiria mais segura depois da captura do mais terrível serial killer de nossa história.
- É verdade que o senhor usou de tortura para capturar o Açougueiro, delegado?
A pergunta, feita um decibel acima do burburinho da coletiva, calou a todos. Os olhos de Roger se inflamaram por um segundo, enquanto ele varria a multidão em busca do desagradável inquisidor.
Os olhos de Roger encontraram Lucas. Jovem, magro, cabelos castanhos grandes e desgrenhados, uma paródia de barba despontando descuidadamente aqui e ali. De braço levantado, Lucas não se escondia.
Roger se deu conta da própria contrariedade, respirou fundo e adotou um tom professoral.
- Absolutamente. Nossa equipe está nas ruas para cumprir a lei e fazer valer os direitos dos cidadãos. Quem tortura não é a polícia. O que nós fazemos é um trabalho profundo de investigação. Tortura é outra coisa. Tortura é entrar num convento e fazer uma chacina com crianças órfãs e freiras.
- Quais são as evidências da participação deste suspeito na chacina do orfanato? – interrompeu Lucas.
- Temos fortes indícios que aquele crime foi cometido pela mesma quadrilha responsável pelo sequestro da menina Sarah. São criminosos bárbaros, capazes de decepar dedos de crianças para coagir o pagamento do resgate.
- Senhor delegado, o senhor me desculpe, mas um não vejo a conexão entre esses crimes. – insistiu Lucas.
O burburinho aumentou, os flashes ficaram mais intermitentes, a medida em que Roger titubeava catando palavras.
- Um criminoso violento foi tirado das ruas. Uma vida de uma criança inocente foi salva. A polícia cumpriu o seu papel de dar segurança aos cidadãos. Quem vai julgar o suspeito e o nosso trabalho é a justiça. E eu tenho toda a tranquilidade de que tivemos sucesso em nossa missão. Sem mais perguntas.
Algumas horas depois, Edgard caia de joelhos dentro de uma cela de cadeia e as grades pesadas se fechavam atrás dele com um eco metálico. Ao se levantar, Edgard reparou uma presença no beliche superior.
- Edgard, meu velho! – de olhos arregalados, Leo sorria amarelo para seu novo companheiro de cela.
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